Coisas sa nossa terra - Delfim Luiz |
Os romanos, que invadiram e colonizaram a Península Ibérica, acharam tão belo e aprazível o lugar, que lhe chamaram Colum Pictum (Colina Pintada), de onde derivou o actual nome Colo de Pito.
Colo de Pito é um airoso lugar, que fica situado na parte noroeste da Beira Alta, no coração de Portugal, a cerca de 900 metros de altitude, na Serra de Montemuro.
Faz parte da Freguesia das Monteiras, Concelho de Castro Daire, Distrito de Viseu.
Com população genericamente católica, pertence à Paróquia das Monteiras da Diocese de Lamego.
Fruto da sua localização, junto à Estrada Nacional nº 2, a 10 Km de Castro Daire e 20 de Lamego, Colo de Pito teve sempre acesso facilitado aos mais diversos destinos. Tinha a carreira à mão. Distribuía as malas do correio para Monteiras, Relva, Cujó e Almofala.
Também chegou a haver distribuição de pão (trigo) para Vale Abrigoso e Várzea da Serra.
Actividades Económicas
Agricultura
Tradicionalmente, as actividades principais dos habitantes eram a agricultura e a pastorícia.
A agricultura era de subsistência, em que havia dois grandes tipos de intervenientes.
Os lavradores que tinham, pelo menos, uma junta de vacas, carro, charrua e demais apetrechos agrícolas.
Os cabaneiros que, com a sua enxada, cavavam as terras e executavam outras tarefas complementares necessárias como o corte do estrume (mato), a segada, etc..
A pastorícia ocupava, no mínimo, uma pessoa de cada família, que guardava as vacas ou o rebanho de ovelhas e cabras.
Além destas actividades, havia também os artistas (carpinteiros, trolhas, pedreiros), os artesãos (tamanqueiros, cesteiros, tecedeiras), negociantes e alguns empregados (cantoneiros).
O pessoal disponível participava, periodicamente, em actividades doutras regiões, como as famosas rogas para as vindimas do Douro.
Hoje, além destas actividades (que já são em muito menor escala), há o comércio (cafés e vendedores ambulantes de roupa e calçado) e empregos, fora da terra, nas mais diversas ocupações (indústria, comércio e serviços).
Vida Comunitária
As gentes da nossa terra sempre demonstraram um grande sentido de comunidade, participando nos trabalhos uns dos outros e construindo mesmo edificações comuns.
Nos trabalhos temos, como exemplos, as segadas, as malhadas, as desfolhadas, as sementeiras, a matança do porco e os serões de Inverno, onde se faziam os mais diversos trabalhos (fiar, fazer meia, desbulhar o milho), se convivia e divertia (contos, adivinhas, jogos de palavras, etc.).
Nas construções podemos, ainda hoje, verificar a utilização das eiras, fornos, moínhos, caminhos, levadas, açudes, poldras, pontes e poças. São utilizadas por todos ou por herdeiros segundo regras pré-estipuladas.
De notar que, à semelhança de todo o norte rural, todos se tratam por tio e tia, o que indicia uma quase relação familiar.
Paisagem e Flora Local
Na aldeia já são raros os colmados, mas ainda são dominantes as casas de granito, tradicionais da área serrana.
A paisagem nos montes de Colo de Pito é típica da Serra de Montemuro.
O ar é puro.
Do alto do Torrão avista-se desde a Serra das Meadas até à Serra da Estrela.
Vêem-se bem a maioria dos povos circundantes (Monteiras, Eido, Carvalhas, Relva, Vale Abrigoso, Mezio, Moura Morta).
A zona é mesmo bonita. Se no Inverno a neve torna tudo branco, os cincelos enfeitam as árvores e arbustos e as candeias os beirais, na Primavera parece um imenso jardim.
Nas lameiras o feno fica cheio de flores, onde, entre leitugas, labrestos, rabaças e alecrim, se destacam as papoilas e as macelas, mas até os cardos dão flor. Junto dos rios (Vidoeiro e Delóbra / Paivô), de límpidas e cristalinas águas, há a sombra refrescante dos amieiros, entrecortada com juncos, vimes e freixos.
Nos montes reina a giesta e a piorna com maias brancas e amarelas, que impregnam com suave odor, verdadeiro perfume, toda a região.
Há também as flores amarelas das carqueijas, tojos e sargaços (que também dão pútegas) e as azuladas das urgueiras e urzes.
As silvas, junto aos caminhos, começam a mostrar as amoras que serão delicioso néctar no Verão.
Os fieitos enchem de verde as zonas sem vegetação de maior porte.
Nas encostas dos montes surgem os bosques de carvalhos e as matas de pinheiros bravos.
Havendo, por estas paragens, um dos maiores afloramentos graníticos de Portugal, é natural que os penedos quase façam parte da vida destas terras. Além de fornecerem importante material de construção, são pontos de referência no horizonte e têm uma simpatia especial da população. Têm nomes próprios e alguns até têm lendas, como o Penedo da Moira que é habitado por uma cobra que, se for picada à meia noite do dia de S. João, se transformará numa linda princesa moura e o penedo num belo palácio recheado de tesouros.
Outros penedos importantes são o Penedo do Crambo, a Fraga da Janela e a Fraga do Lameiro, que servia de escorrega à pequenada.
Nas terras de granjeio há milho, centeio, batata, feijões, feijocas e botelhas.
Algumas leiras estão recheadas com soutos de castanheiros.
Os campos mais perto do povo, como a Cal, parecem um conjunto de autênticas despensas, pois cada casa tem lá um cantinho. Há campos onde não cabe uma cama de casal, mas dá de tudo: couves, nabiças, cebolas, feijão, alfaces, tomate e pimentos. Tudo ao mesmo tempo. Só visto!
Fauna Regional
Colo de Pito, à semelhança dos povos vizinhos, é muito rico na variedade de animais existentes, o que deixa de boca-aberta os meninos da cidade que nos visitam, principalmente no verão, pensando que estão dentro de um jardim zoológico sem jaulas.
Mesmo os animais domésticos mais vulgares (cães, gatos, galinhas, coelhos mansos, porcos, vacas, cavalos, ovelhas e cabras) fazem, principalmente os animais bébés (Pintaínhos, gatinhos, cabritinhos, etc.), as delícias de quem, no seu dia a dia, nem licença tem para mexer na terra.
No respeitante a animais bravios, nos montes, são vulgares o coelho bravo, a lebre, o texugo, o javali, a raposa e o lobo, que, como as pessoas, tem sentido de comunidade, as alcateias.
Nos penedos e paredes tradicionais surgem a sardanisca, o salabardo, as cobras e as víboras.
Nas lameiras, além das borboletas, grilos, cigarras, louva-a-Deus e saltaricos, pode haver licranços.
Nos céus, sem contar com os bandos de pardais, facilmente se vêem andorinhas, tetilhões, piscos, cotovias, corcalhés, peneireiros, gaios, melros, rôlas, perdizes, cucos e poupas.
Nas noites, a partir da Primavera, também há mochos, morcegos e luze-cus.
Os rios, sobrevoados por coloridas libelinhas, são ricos em bordalos e trutas, não faltando grande quantidade de rãs e girinos (metamorfoses) e algumas cobras de água
Feiras, Festas e Romarias
Nossa Senhora da Saúde
Nossa Senhora da Ouvida
O Verão e o Outono são tempo de colheitas. Talvez pela satisfação de ver o fruto do trabalho, era normal que, apesar da dureza, essas tarefas fossem misturadas com muita folia e diversão. Cantavam na segada, dançavam no caminho de leira para leira, faziam bailes nas vindimas e até o penoso pisar das uvas era acompanhado com concertina, ferrinhos, bombo e cantadores.
As noites também ajudam com o céu estrelado, onde se distinguem bem as constelações visíveis no nosso hemisfério. É o contraste com o ar pesado e triste das pessoas com capuchas, capuchos e crossas, para tapar o frio e chuva, no Inverno.
A esta alegria generalizada acresce a visita anual dos filhos de Colo de Pito, que labutam noutras paragens (imigrantes e lisboetas).
Há muitas festas, feiras e romarias por todo o lado.
As principais festas de Colo de Pito são a Srª da Saúde, no 3º Domingo de Julho (com Missa, Procissão, com banda de música, desporto e baile, quer no dia quer na véspera) e a Srª da Ouvida, no dia 3 de Agosto (com Procissão, Missa e feira franca que se realiza no monte circundante à capela, onde em tempos remotos existiu um cemitério celta, de que ainda restam algumas mamoas). Mas, além destas, a malta nova vai a todas as festas das terras circundantes.
As feiras eram a oportunidade de a população comprar tudo o que necessitava, pois vender só bezerros, cabritos, cordeiros, lã, ovos e, os mais abastados, alguns alqueires de pão ou feno. As feiras que mais frequentavam eram Castro Daire, Magueija e Gosende, além das anuais da Ouvida e do Fôjo.
Romaria a que se não pode faltar é a Srª dos Remédios, em Lamego.
Também têm presença garantida a Srª da Lapa e a Santa Helena, embora de cariz mais religioso.
Expressões da Nossa Terra e Lengalenga
Expressões
Para chamar as vacas - Cá cabana !
o cavalo - Toma aqui !
as ovelhas - Pega !
as cabras - Volta cá chibuca !
as galinhas - Pilas, pilas, pilas !
o gato - Bichinho, bich, bich !
o cão - Boca !
Para parar as vacas - Uhoxe ! Uhá uhoxe !
o cavalo - Xó ! Aí xó !
Para andarem as vacas - Iete !
o cavalo - Hi cavalo !
Para virar as vacas - Mola formosa !
Para as vacas andarem para trás - Cê trás ! Cê morena !
Para enxotar as galinhas - Xô pitas ! Xô !
o gato - Sap gato !
o cão - Fora cão !
Para concordar sem certeza - Estou que sim !
Para discordar sem certeza - Estou que não !
Para significar talvez - Acho que !
Para significar ou seja - Quer-se dizer!
Sobre o toque dos sinos de toda a freguesia, tentando imitar o seu som.
Sino pequeno das Monteiras - Morreu uma velha! Morreu uma velha! Morreu uma velha!
Sineta do Eido - Que te deixou ela? Que te deixou ela? Que te deixou ela?
Sino pequeno das Monteiras - Uma manta velha! Uma manta velha! Uma manta velha!
Sineta de Colo de Pito - Tem lêndeas! Tem lêndeas! Tem lêndeas!
Sineta das Carvalhas - Cata-las! Cata-las! Cata-las!
Sineta da Relva - Com quê? Com quê? Com quê?
Sino grande das Monteiras - Com um martelão grande! Com um martelão grande!
Pequeno Vocabulário Local
Azangar Saltar por cima de.
Botar Pôr ( deitar ).
Botelha Abóbora.
Bufar Soprar.
Bulhar Zaragatear.
Cabaneiro Trabalhador rural não lavrador.
Cambão Pau ou utensílio para ligar duas juntas de vacas ou uma junta à charrua ou grade.
Canastro Espigueiro.
Candeias Luz, lanterna; Estalactite de gêlo pendente dos beirais.
Caniço Armação sobre a lareira para secar lenha e pôr o fumeiro.
Capucho Capucha feita em colmo e junco (impermeável à chuva e neve).
Chamiça Ramo de giesta ou piorna para queimar.
Chibuca Cabra.
Chuço Pau aguçado para meter o milho na terra, ou descascar e debulhar as espigas.
Cincelos Pedacinhos de gêlo suspensos dos ramos de árvores ou arbustos.
Colmado Cobertura feita em colmo.
Colmeiro Molho de colmo.
Colmo Palha de centeio ou trigo escolhida na malhada (não podem ser palhas torcidas ou partidas).
Copa Concha.
Corcalhé Codorniz brava.
Croça Capote feito em colmo e junco (impermeável à chuva e neve).
Crochos Flocos de leite semelhantes a requeijão (de vacas recém-paridas).
Debulhar Tirar o grão da espiga.
Empalhar Dar a comida, na loja, a animais domésticos de manada ou rebanho.
Encoiras Couro cortado, em forma, para fazer tamancos.
Engaço Ancinho.
Entrudo Carnaval.
Escaleiras Escadas em pedra.
Estadulho Fueiro.
Estoira - balas Brinquedo artesanal feito de um canudo de sabugueiro e uma vareta que empurra uma bucha contra outra que sai com um estalido, por acção da compressão do ar.
Estrinçar Cortar as pontas das giestas (tocos para queimar e trinças para estrume).
Estrugir Refogar.
Fieito Feto.
Forcado Tipo de forquilha em pau com dois ganchos (dentes) por baixo e um por cima, para carregar gavelas de mato para estrume.
Fumeiro Local onde se defumavam os salpicões, as chouriças, as buchelhas, as moiras, o presunto e o toucinho; conjunto dos produtos defumados.
Gancho Ancinho forte, em ferro para estarruar ou arrancar estrume das lojas e quinteiros.
Gasalho Míscaro (cogumelo comestível).
Grade Utensílio agrícola para alisar a terra lavrada e atupir a semente.
Loja Curral.
Lumieira Rolo de palha entrançada para iluminar.
Luze-cus Pirilampos.
Maia Flôr da giesta e da piorna.
Meda Montão cónico feito com os molhos de centeio ou trigo (fica impermeável).
Moirão pedra rectangular comprida que separa a cinza, debaixo da pilheira e a fogueira.
Molhelha Apetrecho em couro, palha e sarapilheira para proteger do jugo, a cabeça e cachaço das vacas.
Paveia Gavela.
Nena Boneca de trapos.
Peneireiro Milhafre.
Pilheira Mesa de pedra atrás da lareira, porbaixo da qual se guarda a cinza.
Pinchar Saltar para baixo.
Pita Galinha.
Pito Pinto; vulva.
Pular Saltar.
Purgado Armação em madeira, tipo sobreloja, para guardar empalho e ferramentas.
Pútega Fruto em favos que nasce junto à raiz dos sargaços.
Roga Grupo de pessoas contratadas para um determinado trabalho.
Rolheiro Paveia de centeio atada pelo meio; Conjunto de molhos encostados uns aos outros com a espiga para cima (para não apodrecer).
Salabardo Lagarto; habitante de Vale Abrigoso.
Saltarico Gafanhoto.
Sardanisca Lagartixa.
Sargaço Planta rasteira, montesinha, que serve para estrume.
Sebe Armação em vergas entrelaçadas com estadulhos, para vedar a carroceria do carro de vacas, para transportar produtos miúdos.
Segada Ceifa.
Seitoira Foice.
Sertã Frigideira.
Socas Tamancas.
Socos Tamancos em forma de bota.
Soquetes Meias de senhora até ao tornozelo, geralmente com enfeites.
Sôga Fita de couro para prender a vaca, com molhelha, ao jugo.
Tamanco Calçado feito com encoiras e rasto de madeira.
Tamoeiro Apetrecho de couro forte para prender a cabeçalha ou cambão ao jugo com um chavelhão.
Testo ( têsto ) Tampa de panela ou vasilha.
Tio Senhor.
Torno Apetrecho de madeira por baixo do carro, para segurar a carrada com a corda.
Treitoira Apetrecho de madeira em forma de meia lua, fixo no chedeiro, para segurar o eixo.
Trinça Rama das giestas que serve para estrume.
Vencilho Nagalho feito em palha ou feno enrodilhado (para atar os molhos).
Texto: Delfim Luiz
2001.10.22