HISTORIETAS, TRETAS E MALANDRICES |
Os Nossos Contos e Entreténs
Com a finalidade de preservar e divulgar a nossa identidade cultural colectiva, aqui ficam estes pequenos trechos, que tentam ser fiéis às fontes (indicadas entre parêntesis), que não são, necessariamente, da sua autoria.
Todas
estas histórias ou contos são da nossa terra, com excepção de António Almeida,
que é do Prado (Mezio), mas que passou muitos dias a trabalhar em Colo de Pito.
Aqui se retrata o imaginário, a pobreza
envergonhada, a esperteza, a inventiva, o castigo da maldade e o
entretenimento.
Muitas
destas narrativas eram contadas e ouvidas nos tradicionais e saudosos serões de
Inverno.
História de Bruxas
Uma
vez, o avô do tio Manuel Fidalgo foi, de noite, botar a água à lameira de
Quístola.
Quando
lá chegou, viu um baile de bruxas, todas despidas, em volta de uma fogueira, no
fundo da lameira. Elas, quando o viram, transformaram-se todas em galinhas e
fugiram a voar. Ele ficou com medo e voltou para trás, sem regar a lameira.
No
caminho de regresso, encontrou um cabritinho preto. Pensando que era do povo,
carregou-o aos ombros. Porém, conforme ia andando, sentia o cabrito cada vez
mais pesado. Já estava à rasquinha e, ainda por cima, sentiu o cabrito a mijar-
lhe no pescoço. Atirou com o cabrito para o chão e ouviu-se uma voz grossa e
roufenha:
-
Põe-me devagar que me quebras a mija !
E
o cabrito desapareceu.
Era
o diabo!!!….
(Há
também outro final, contado por outras pessoas:
- Ai
que te rebentei - Diz o homem.
- Também eu te mijei - Diz o cabrito, com voz grossa,
desaparecendo.
Era o diabo !!!…)
Um
homem pobre, quando ia trabalhar para lavradores mais ricos, levava consigo um
filho pequeno, Zeca Trapo, que assim, nesse dia, sempre tirava a barriga de
misérias.
O
homem não queria que parecesse oportunismo. Dizia que o miúdo ia para se
habituar ao trabalho e até já fazia algumas tarefas e recados.
À
refeição perguntava a dona da casa:
- Ó
Zeca Trapo queres mais pão?
E
o petiz respondia baixinho:
-
Sim senhora.
O
pai intervinha:
-
Como é que se diz, rapaz?
E
o Zeca Trapo respondia alto e destemido:
-
Não senhora!
E
o pai concluía:
-
Graças a Deus, os meus filhos são fartos de pão.
Com
as batatas e a carne era a mesma história:
- Ó Zeca Trapo queres mais batatas? Queres mais carne?
- Sim senhora (baixinho).
- Como é que se diz, rapaz?
- Não senhora!
- Graças a Deus, os meus filhos são fartos de batatas, fartos de carne, fartos de tudo!!!
Mulher Mouca -
(Manuel
Luiz - 1960 - 40 anos)
Certa
senhora idosa estava contratada para ir trabalhar, no campo, para um lavrador
muito exigente e que não aceitava quem se atrasasse. Chegou já depois do nascer
do sol.
Diz-lhe
o patrão:
- Então a senhora hoje vem tão atrasada?
Ela
fingiu que ouvia mal e respondeu:
- Se eu vim pela estrada? Não senhor, vim
pelo quelhinho, que é mais a direito.
-
Não digo isso!
- Se
eu comi chouriço? Um caldinho de cebola, sem pão nem nada.
-
A mulher é mouca!
- Se
eu uso touca? Nem pensar! Um lencinho velho e já roto na coroa.
- Olhe, comece mas é a trabalhar! - Gritou o patrão, saindo para longe dela.
E
ela lá ficou a ganhar o dia!…
Os
Coelhos Bravos
vs
Mansos
(Agostinho
Rouxinol - 1974 - 38 anos)
O
nosso conterrâneo Agostinho Rouxinol é um pacato cidadão, incapaz de fazer mal
a uma mosca. Tem porém, como todos os caçadores, uma imaginação muito fértil,
que vai inventando histórias pseudo reais, à medida que vai sendo questionado,
pelos presentes.
Assim,
não admira que, na taberna do tio Acácio, se gabe de ter caçado 5 coelhos, que
ainda tem em casa. Desafiado para dar um, para uma patuscada, não recusa. Saem
todos para ir buscar o coelho. Quando chegam ao tanque, lembra-se que afinal já
não tem os coelhos bravos, pois já os tinha vendido. Só se matassem um manso… A
rapaziada concorda, mas ao chegar perto de casa, junto à escola, novo alerta da
memória o faz recordar que os coelhos
já não são dele, pois prometeu-os ao irmão para a festa de anos de um
neto. Voltam todos para a tasca, onde é obrigado a pagar uma rodada!
O Lobo Raboto
Assim
nasceu, também, a história do lobo raboto (sem cauda). Saiu-lhe, em noite cerrada
e de nevoeiro, entre Vale Abrigoso e Colo de Pito. Não se via um palmo à frente
do nariz, mas ele viu bem, logo ao longe, que o lobo era raboto. O lobo era
grande e destemido. Chegava-se tão perto que, perto do Alto do Castanheirinho, lhe chegou a bater com o rabo nas pernas!!!
- Oh! Agostinho, então o lobo era raboto
?!!…Como é que te bateu com o rabo?…
Como de costume, ria-se e encolhia os ombros…
O Homem de Deus
Certo
pedinte chegou, à noitinha, a casa de um padre e pediu comida e dormida. O
sacerdote disse-lhe que ceasse com ele, mas pernoitar não era boa ideia, pois
tinha muito mau feitio e batia sempre em quem o contrariasse.
Não
deu ouvidos a isso e preferiu ficar. Sempre ficava abrigado e o padre também
não seria assim tão mau…
Já
ao serão, pediu água. Levou logo uma paulada.
-
Então não vês que isto é o que há mais em toda a Terra. São os mares, os rios,
as fontes, os poços… Isto são abundâncias!
O
mendigo ficou embasbacado!!..
O
padre aponta para o gato e pergunta-lhe o que é. Ele, já a defender-se, diz que
é um gato, mas que há quem chame bichano ou miau… Nova paulada!
- Então não sabes para que eu o quero? É um papa ratos!
Isto
está mau!...pensou o desgraçado. Nova pergunta apontando o rabo. Aqui ele
pensou que se safava dizendo rabo e cauda. Outra paulada.
- São as elrábias!
À
pergunta sobre o fogo respondeu que era fogo, fogueira, lareira, labareda,
lume. De nada valeu. Levou outra vez.
-
Não vês que isto é quente? São quenturas!
Muitas
mais pauladas levou, pois:
·
Os palheiros eram altas
miras!
·
As meias eram sarapitéus!
·
E o padre não era padre, sacerdote, prior, cura ou abade.
Era um homem de Deus!
Ao
pobre já lhe parecia um homem do diabo!
Durante
a noite, o gato chegou-se demais para o lume e quando sentiu o rabo a arder,
fugiu para o palheiro, pegando-lhe fogo. O pobre deu conta, foi bater à porta
do quarto do padre e gritou-lhe:
-
Ó homem de Deus, calça os teus
sarapitéus e vai acudir ao papa ratos, que anda com quenturas nas elrábias. Se
não acodem com abundâncias, altas miras vão-se embora.
E
arderam, pois ele, com tanta porrada, tinha aprendido bem a lição e, quando o
padre aflito lhe pediu para gritar fogo e para trazerem água, ele só dizia:
-
Quenturas, quenturas! Tragam abundâncias!
Ninguém ligou nada, pensando que era doido!!!...
Rico Tango Manco -
(Manuel
Fidalgo - 1960 - 55 anos, cantado tipo fado corrido)
Eram doze irmãs numa
casa,
Namoravam um visconde.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão onze.
Aquelas onze, que elas
eram,
Foram, à noite, lavar
os pés.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão dez.
Aquelas dez, que elas
eram,
Deram esmola a um
pobre.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão nove.
Aquelas nove, que elas
eram,
Foram comprar um
biscoito.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão oito.
Aquelas oito, que elas
eram,
Tiveram que ir à
retrete.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão sete.
Aquelas sete, que elas
eram,
Também cantaram os
reis.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão seis.
Aquelas seis, que elas
eram,
Todas usavam um brinco.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão
cinco.
Aquelas cinco, que elas
eram,
Quiseram ter um macaco.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão
quatro.
Aquelas quatro, que
elas eram,
Tinham um gato siamês.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão três.
Aquelas três, que elas
eram,
Tiveram três catatuas.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
Não ficaram senão duas.
Aquelas duas, que elas
eram,
Foram apanhar a caruma.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nelas!
E não ficou senão uma.
Aquela uma, que ela
era,
Teve que ir fazer a
ceia.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nela!
E não ficou senão meia.
Aquela meia, que ela
era,
Pôs-se a jogar ao
botão.
Deu-lhe o tango, rico
tango manco, nela!
E acabou-se a geração!